Perante a forma de apresentar Deus que a espiritualidade cristã
tradicional nos ofereceu(e a teologia da salvação [ soteriologia] subjacente a
tal espiritualidade), deve-se afirmar com firmeza e sem meias medidas que Deus,
Pai de bondade e de misericórdia, não quer que seus filhos
sofram.
No mundo existe
sofrimento porque toda forma de vida criada e, mais concretamente, toda forma de
vida terrena, é limitada. E essa limitação traz consigo o adoecer, o envelhecer
e o morrer. Além disso, existe o mistério insondável da liberdade humana, que
com frequência se inclina para o mal, isto é, a prejudicar o outro e aos demais
em geral, fato que leva o sofrimento no mundo a alcançar quotas inimagináveis.
Todavia, esse não é nem o momento nem o momento nem o lugar de tentar ( uma vez
mais) solucionar aquilo que é um mistério sem fundo: o problema do mal e suas
possíveis explicações, a fim de torná-lo compatível com a existência de um Deus
bom e fonte de bondade e de felicidade. E, em última instância, o problema que
representa aquilo que agora se chama a desconstrução da metafísica, que para
muitas pessoas desembocou no ateísmo. Em todo caso, quero deixar bem claro que,
a partir da mensagem de amor e de misericórdia que o Evangelho apresenta, o
único sofrimento que Deus quer é aquele que brota da luta contra o
sofrimento.
Foi por isso que Jesus sofreu. Porque se pôs absolutamente do
lado de todas as vítimas do sofrimento humano, fosse qual fosse a razão desse
sofrimento. É isso que explica por que Jesus enfrentou uma religião, sacerdotes,
uma instituição sagrada que, em vez de aliviar o sofrimento humano, o que faziam
era provocá-lo e agravá-lo. Nesse sentido, é coerente pensar que Deus quis que
Jesus bebesse o cálice de dor e morte que teve de beber. Assim como quer também
que nós mortifiquemos e vençamos aquilo que, em nossos comportamentos e
condutas, é condutas, é causa de sofrimento para os outros. Este é o sofrimento
que Deus quer e a mortificação que lhe agrada: o sofrimento e a mortificação que
nos tornam cada dia mais livres e mais disponíveis, em síntese, mais humanos:
para, dessa forma, tentar, na medida de nossas possibilidades ( as de cada um),
atenuar e aliviar o sofrimento de tantas vítimas do egoísmo, da injustiça, da
opressão, da falta de solidariedade e da desumanização, coisas que neste mundo
brotam por todos os lados.
Se não me engano, em
última instância, é a isso que se reduz a mensagem de seguimento radical e de
cruz que Jesus nos apresenta no Evangelho. Além disso, a experiência nos ensina
que, na sociedade em que vivemos, aquele que se põe verdadeiramente a lutar
contra as causas do sofrimento, inevitavelmente terá de encarar incontáveis
enfrentamentos, incompreensões, conflitos e até é possível que chegue a se
encontrar em situações-limite, situações de vida ou morte. E penso que, ao dizer
essas coisas, estamos tocando algo que é inteiramente central na espiritualidade
cristã. Essa foi a espiritualidade de Maximiliano Kolbe, de Dom Oscar Romero, de
Martin Luthe King, de Dom Angelelli, para citar alguns nomes concretos que me
vêm à mente, assim, de súbito. E a espiritualidade também de tantos sacerdotes,
religiosas, religiosos, leigos comprometidos que, no decorrer do século XX,
pagaram com suas vidas pelo atrevimento de ter levado a sério a luta contra o
sofrimento das vítimas deste mundo e contra a dor, a desgraça e a humilhação dos
mais pobres da terra.
De resto, falando dessa forma, todos compreendem que isso não é
atenuar as exigências do vencimento e da cruz que o Evangelho comporta, mas se
trata de situar essas exigências lá onde devem estar. Eu penso que somente assim
é que poderemos evitar os “perigos” que, com frequência, a incorreta compreensão
da espiritualidade cristã acarreta.
JOSÉ
M.CASTILLO
FONTE: LIVRO
ESPIRITUALIDADE PARA INSATISFEITOS
Paz e
Luz
Regina
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sexta-feira, 19 de outubro de 2012
DEUS, SUA BONDADE E O SOFRIMENTO
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